
Entre desafios e superações, Mariana Becker relembra título do Sertões em 2003
Por Sara Jané
Mariana Becker se tornou um ícone de coberturas da Fórmula 1 e presenciou momentos marcantes para pilotos ao longo dos anos. A repórter, no entanto, já viveu o lado oposto, sob o comando de um carro, nas edições de 2000, 2002 e 2003 do Rally do Sertões. Nessa última aparição, Mariana se sagrou campeã na categoria Imprensa.
Na segunda parte da entrevista exclusiva ao Sertões, Mariana compartilhou histórias desafiadoras no maior Rally das Américas e relembrou a conquista. Desde situações de emergência até a pressão de competir como dupla feminina, ela revelou como enfrentou obstáculos e aprendeu a lidar com a pressão da competição.
Com um olhar carinhoso sobre suas experiências, Mariana também deu dicas valiosas para mulheres que sonham em entrar no mundo do automobilismo, destacando a importância da união e da coragem.
Confira a segunda parte da entrevista de Mariana Becker ao Sertões:
Sertões: Você se lembra de alguma situação de emergência que teve em suas participações no Sertões?
Mari Becker: Várias e várias. Eu e a Tamie ouvimos em um briefing o pessoal dizendo que, se nós fossemos desistir, para não pegarmos a BR, por que a gente estava em um lugar que passava o Polígono da Maconha, que era o lugar onde traficantes plantavam muita maconha, então era um lugar muito perigoso. E aí disseram: “tentem uma rota alternativa.” Os caras colocam vários tipos de obstáculos, você diminui o carro e o assalto acontece. E era eu e a Tamie, duas gurias, mas aí nós desistimos, que é a pior coisa que pode acontecer comigo, eu ainda sou muito imatura nesse aspecto, qualquer coisa que eu tenha que desistir ainda me dói profundamente. Então voltamos eu e ela com as orelhas muito baixas, sabe? E aí abrimos o mapa e traçamos uma rota, nem pelo Jalapão, que era impossível, e nem pela BR. Mas será que vamos passar pelo polígono? Não sabíamos, não tínhamos certeza, sabíamos mais ou menos.
E nós fomos indo por aquele Sertão e fomos parar, obviamente, no meio que não era para estar. O carro começou a soltar fumaça, começou a acelerar e não parava, eu consegui frear, ponto morto, e eu gritei pra Tamie sair e as duas com medo do carro explodir, era óleo diesel. Abrimos o cinto de 5 pontas a milhão, eu saí correndo para um lado e a Tamie para o outro. Aí o carro morreu, e parecia duas patetas se procurando depois, a gente ria o tempo todo da gente, dos absurdos que a gente fazia. Mas enfim, ficamos paradas lá à noite, não passava carro, não passava ninguém, e nós duas escondidas embaixo de uma moita, esperando clarear o dia. Estávamos o dia inteiro sem comer, cheias de areais e malucas de sede. Mas, no meio da madrugada, finalmente passou um carro vassoura, o apoio, eu falei: “Levem a gente, por favor”. E eles falaram que só se nós dançássemos a Hula..aí eu fiquei furiosa e os guris foram super legais com a gente. Mas a regra do rally era que eles poderiam nos levar até a cidade mais próxima, e não até a próxima cidade de largada. Enfim, aí chegamos na próxima cidade já era 5h da manhã, e a única coisa acesa era um posto de gasolina e uns caras que já estavam super mamados.
Aí o carro reboque parou, eu desci, mas a Tamie estava de shorts, aí eu falei pra ela não descer, mas os caras estavam lá “quero ver a moça da Globo”, enfim. Aí tinha um cara da cidade, coronel acho, ele falava que era pra gente ficar na fazenda dele, e eu falei que não, que iríamos para a próxima cidade e perguntava para o cara do reboque ali da cidade, mas quando ele ia fazer que sim, eu via que ele olhava por cima do meu ombro, aí eu olhei para trás e estava lá o coronel, provavelmente ele fazia um sinal para o cara não aceitar o trabalho. Mas enfim, aí os caras do carro vassoura estavam indo embora mas perceberam a furada que a gente estava e voltaram, aí eles foram uns amores e nos levaram até a próxima cidade. Aí chegou no outro dia de manhã, ainda tínhamos que consertar o carro e perdemos não só a Especial Jalapão, mas a Especial daquele dia também. Enfim, pegamos uma carona que foi super legal, com uma galera que estava fazendo um trabalho solidário, mas aventuras e roubadas tem de monte.
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Sertões: Em relação a ser uma dupla feminina, você sentia que havia mais pressão?
Mari Becker: Tinha pressão sim, ao mesmo tempo que tinha ajuda, tinha os caras que faziam pouco. Mas era engraçado porque a gente sentava na largada, na fila, e começava a chegar desconhecidos e a Tamie falava: “Vai ensinar alguma coisa”. Mas eu via mais de uma maneira positiva, porque eu tava lá pra aprender mesmo, mas às vezes isso vinha de gente que tava atrás de mim. Teve situações de carros que não deixavam passar, não queriam perder de jeito nenhum, mas nós estávamos no paralamas dos caras e eles não deixavam passar. Uma vez eu falei para o pessoal da Categoria Imprensa: “Vamos começar os primeiros dias meio juntos, vamos nos cuidando.” Aí um cara falou: “Mariana, fica tranquila que eu te espero”, então eu perguntei para ele se já tinha me visto dirigir para saber se ia ter que me esperar…e no final eu ganhei dele. Mas de uma maneira geral eu fui sempre muito bem acolhida.

Sertões: Em 2003, você e a Roberlena foram campeãs na Categoria Imprensa. Como foi a repercussão?
Mari Becker: Foi super legal, na verdade não teve tanta repercussão, talvez essa seja aquela história de ser mulher, estar começando, se metendo em um meio que não tinha tantas mulheres. Mas entre os amigos jornalistas teve, ali entre as duplas e o pessoal do rally também. Então eu fiquei muito contente pela nossa capacidade, minha e da Roberlena, de superar as coisas, de conseguir, sabe? E no final a gente ficava cabeça a cabeça com a outra dupla direto, cada dia um chegava na frente, então você ganhar uma prova, uma corrida que você está cabeça a cabeça é incrível.
Uma coisa que eu pergunto pro Max Verstappen é isso, por que ele ganha de lavada sempre, mas você conseguir disputar e ganhar uma disputa dessa, é um prazer imenso, é a competitividade.
Sertões: Você tem alguma mensagem ou conselho para outras mulheres que querem entrar para esse mundo do automobilismo e off-road?
Mari Becker: Se joga! Se joga muito! Vai com tudo porque é muito divertido, é um esporte muito legal. Graças a Deus agora tem cada vez mais mulheres. Se vocês forem novatas conversem com outras que já estiverem por lá, mas não só com mulheres, com homens também, você pode ser surpreendentemente bem recebida, e como aconteceu comigo, por homens que me ensinaram, que me apoiaram e me estimularam. Então não sintam-se como se estivessem do outro lado, você está do mesmo lado, lado de gente legal, sejam homens ou mulheres, quem não é bacana está do outro lado, sendo homens ou mulheres.
Mas eu acho que vale muito a pena, não se acanhem, não tenham medo, não tenham vergonha, esse sentimento não tem que ter. O medo é normal, mas não por ser mulher, pois é totalmente possível. A gente trocou pneu, fez tudo que tinha que ser feito e terminamos o rally com honra e dignidade. Chegamos em primeiro no meu último rally, na categoria imprensa. Mas a dignidade de terminar um Rally do Sertões é pra levar como estrela no cinto, corri até o fim, mandei bem!
Sertões: E você tem vontade de competir de novo ou agora é só relembrar?
Mari Becker: Eu adoraria correr de novo, mas tenho duas hérnias de disco. Sofri um acidente há alguns quatro anos surfando e tenho um disco de carbono entre duas vértebras. Então, eu não arrisco mais. Ainda monto a cavalo, mas rally não encaro mais porque tenho que cuidar da coluninha para ela seguir direito até o fim.