Mariana Becker relembra época de pilota e navegadora no Sertões: ‘tudo mudou a partir disso’

Por Sara Jané

Uma das figuras mais conhecidas do jornalismo esportivo brasileiro, Mariana Becker já viveu o outro lado de uma cobertura, na posição de pilota de Rally. Sim, a repórter que hoje desbrava o mundo da Fórmula 1 já competiu no Sertões, nas edições 2000, 2002 e 2003.

Em uma entrevista exclusiva ao Sertões, Mariana Becker relembrou, em detalhes, como foi essa experiência, inicialmente como navegadora e, depois, como pilota. A repórter citou as dificuldades e aprendizados ao longo da competição, desde os desafios físicos e mentais até a superação de barreiras pessoais. Em sua primeira participação, ela admite ter se sentido despreparada, mas encontrou apoio na comunidade do rally, como a colaboração e a solidariedade entre os participantes. 

Mariana descreveu também, com entusiasmo, como sua paixão por reportagens e desafios a impulsionou a entrar no mundo do automobilismo. De acordo com ela, a experiência no Rally a ajudou a mostrar o que realmente acontece dentro dos carros, oferecendo uma perspectiva única do que os pilotos e navegadores enfrentam. 

A entrevista de Mariana ao Sertões foi dividida em duas partes. A primeira você pode acompanhar a partir de agora:

Sertões: Você participou das edições de 2000, 2002 e 2003 do Sertões, como surgiu a oportunidade?

Mariana Becker: Eu fui chamada para fazer junto com a Denise (Gonçalves), que era piloto. Eu fiz um rally como navegadora e dois como pilota. A minha grande questão, o que eu ficava muito afim de fazer, era uma coisa que eu sentia na Vela. Eu cobri Vela durante muito tempo, e as pessoas não sabem muito bem o que é que estava se passando ali. 

Na época a gente tinha microcâmera e era complicado, tinha que ligar em um equipamento que tinha que estar bem fixo, imagina…bem fixo em um carro de rally, não tinha como. Mas, enfim, era tudo muito complicado, mas por que eu tinha essa vontade de fazer? Eu pensava: quero mostrar como é dentro, como é dentro do capacete, dentro do carro, o sufoco que os caras passam. 

Por que a gente via de fora, né? Aquela música bacana, os carros passando, mas você não tinha muita noção, quando você vê um pouco daquilo, fica mais do mesmo. Mas se você começa a saber o que tá passando ali com o piloto, com o navegador, quais são os desafios daquele dia, qual é o drama da história, aí você começa a se ligar mais, então a minha vontade era primeiro de poder mostrar. Tinha uma câmerazinha e uma microcâmera. 

Foto: Tom Papp

Sertões: E qual foi a sensação de competir? Você estava lá para trabalhar, mas, além disso, fazia parte do rally. 

Mariana Becker: Aí vira a chavinha, quando você baixa a viseira, passa a virar competidor, e foi o que aconteceu também, e isso acabou sendo muito legal para a matéria, por que eu podia mostrar o que tava sentindo, o que estava em jogo ali, não era só: “estou mostrando para vocês percurso, olha como é difícil”. Não, eu quero chegar na frente daquela pessoa ali, tem um carro aqui atrás de mim grudado, querendo passar, mas se eu deixar passar não vou enxergar nada e depois já uma tem uma curva logo ali. No final do dia você vai lá conferir, por que no meu caso, primeiro a Denise e eu, depois a Tamie (Yonashiro) e eu e aí depois a Roberlena (Moraes) e eu, a gente não ficava lá na frente, a gente ficava no meião pra trás, depois no meião e depois, na minha categoria, mais pra frente. Mas você sempre comparava, então no fim do dia você chegava podre, mas você ficava olhando e pensava: “puts cheguei na frente, ou, puts, cheguei atrás.” Então o que eu queria era também poder mostrar isso.

Sertões: Na sua primeira edição você foi como navegadora. Como foi a experiência? Quais foram os pontos mais desafiadores que você achou dessa função? 

Mariana Becker: Tudo, absolutamente tudo. Eu nunca me achei uma pessoa mentalmente organizada, tenho uma organização meio caótica, tudo acontece ao mesmo tempo. E o navegador tem que ser um cara metódico, tem que ser um cara minucioso, e não é o meu perfil. Eu e a Denise, a gente não se conhecia e a convivência ia ser muito intensa, nós éramos muito diferentes uma da outra, e ainda tinha o desafio físico, eu perdi muitos quilos e nos três primeiros dias a gente tava meio despreparada.

A gente não levava nada para beber dentro do carro, então a quantidade de água que eu perdia era um negócio monstruoso, eu cheguei a ter febre, a largar com febre. Mas aí a gente ultrapassa todas essas dificuldades quando se tem um objetivo em comum, eu e a De, nós acabamos ficando bem ligadas. A De pelos motivos dela e eu pelos meu motivos: desafio profissional, porque aquilo ainda não tinha sido feito e por que as pessoas duvidavam, na época eu ainda ouvi de uns caras assim “o que você tava fazendo aqui, olha o jeito que está esse Sertões, duas mulheres correndo.”

Umas bobagens, isso por que a Helena (Deyama) já corria. Então eu tinha uma coisa assim, tinha que entregar meu trabalho bem feito, eu tinha que concluir aquilo, eu não podia desistir, não pela metade, tinha que fazer direito. Então aquilo ali fez com que a gente adaptasse tudo, todas as dificuldades físicas, a gente deu um jeito, qualquer tipo de aresta que a gente tinha de personalidades totalmente diferentes, a gente se ajeitou, sabe?

A minha capacidade organizacional na hora veio e veio com tudo. Eu fui super organizada, não fiquei enjoada nenhum dia, eu tinha um objetivo que me dava uma descarga de adrenalina e me ajudava pra tudo. Então foi assim, o meu primeiro Sertões foi muito difícil porque eu estava muito despreparada. Mas aí eu pude contar com amigos, e gente que me ajudou um monte. O Giba Barricatti, que era um super navegador, me explicou o que eu tinha que fazer, e eu duvidava de mim, eu lembro de um dia antes que eu chorei pensando se ia conseguir, por que ainda tinha a Globo, né?

Eu tinha que entregar o material e tal. E aí tinha o Guiga (Spinelli), e eu fui conhecendo uma galera muito legal do rally, me senti abraçada. E essa galera foi me ajudando, foi muito, muito legal, gente que eu não vi mais, mas eu tenho um carinho e se alguém me encontrar, do primeiro rally, meu coração vai aberto para receber essa pessoa. 

Foto: Theo Ribeiro

Sertões: Em relação ao preparo físico e mental, então você foi se descobrindo, correto?

Mariana Becker: Não teve nenhuma preparação física e nenhuma preparação mental, por que eu não conhecia, eu tinha tido pouco contato com o galera de rally cross country, eu tinha uma ideia mas não conhecia nada nem ninguém. Foi tudo na raça. 

Sertões: Comparando as experiências como navegadora e piloto, qual função foi mais desafiadora e quais lições você tirou de cada uma delas?

Mariana Becker: Eu vou te dizer que foi igualmente revelador, eu tive um prazer sendo navegadora que eu achei que eu não ia ter, por que as pessoas tendem a achar, pelo menos antes de fazer, que o navegador é uma figura secundária. O cara é o piloto, o cara que tem mais prazer, mas quando você é navegador, aí você vê assim a importância, a história de você conseguir prever o que o cara vai fazer, você que vai dizer para o cara, né?

Por que não dá tempo de olhar a curva e aí decidir o que fazer, tem que começar a mexer no carro antes de chegar na curva, já saber que tipo de curva é, todos os detalhes e começa a mexer antes, cego no navegador. E você como navegador ter esse controle é muito interessante, é muito legal. Então eu achei muito legal ser navegadora, foi revelador pra mim, pra eu ver que eu tinha capacidade de fazer coisas que eu jamais poderia fazer.

Quando eu fui piloto eu falei “eu quero provar”, por que eu sempre gostei muito de dirigir, sempre guiei muito, eu sou daquelas que se formos viajar, deixa que eu guio, eu até troco mas fico numa boa dirigindo.

Sertões: Como que a sua participação no Rally do Sertões mudou sua percepção do automobilismo?

Mariana Becker: Como piloto eu descobri qual era o lance do automobilismo, qual é a grande graça, qual é o grande desafio. A história de ter que fazer com que aquele carro, aquele monte de metal, de pedal, cambio, jeito de virar a direção, o peso do carro, como ele reage. Como é que tudo aquilo ali tinha que virar uma continuação de mim?

Como tudo aquilo ali tinha que reagir de acordo, primeiro com o que eu pensava e depois como eu tinha que passar aquilo pro meu corpo e do meu corpo para o carro. E isso foi fenomenal, eu aprendi bastante com o Guiga, de aprender fazer o pendulo do carro, deixar o carro ir um pouquinho, sentir, sabe? Liberar um pouco mais e sentir o prazer da velocidade.

Então, aquilo ali foi realmente revelador nesse sentido pra mim, não só no prazer de guiar, que se transformou em uma outra coisa completamente diferente do que eu achava que era, mas, de começar a entender o esporte de uma outra forma, e aí a partir dali eu comecei a olhar mesmo para a Fórmula 1 de um outro jeito.

Como o piloto tem noção de distância, como ele consegue saber dos centímetros do carro que vai dar pra passar e ainda sim não tirando o pé. Então eu comecei a entender ali qual era a grande graça daquela história, por que antes eu via um pouco como torcedora que acompanha, então a partir dali tudo mudou, foi incrível. Foi a partir dali que eu aprendi muita coisa, quando eu fiz o Sertões eu não era uma repórter inexperiente, eu já tinha experiência de fazer outras coberturas, coberturas sob pressão, importantes. Mas o rally me mostrou o grande desafio físico e intelectual, mental, do automobilismo.

E tudo isso me mostrou algo que eu não tinha me dado conta, apesar de ser óbvio, com anos de experiência, 5 anos de Globo trabalhando sem parar, sem final de semana, 5 anos de front de batalha. E aí, quando terminava o dia do rally e eu tinha que fazer um resumo do dia, contar o que tinha acontecido, era muito difícil porque eu estava muito cansada, muito desgastada e o cérebro não funcionava.

Eu via sempre como uma coisa meio separada, a parte intelectual da parte física, e aí eu me dei conta que não tem como a gente pedir pra nenhum atleta, logo depois que ele termina a prova que ele fez, seja qual for, para ele dar uma declaração profunda, sofisticada e super inteligente, por que a pessoa tá desgastada, tudo foi embora ali. Eu não posso esperar que uma pessoa, depois da prova, dê uma super declaração.

E é engraçado por que eu tinha essa expectativa, e foi o rally que me mostrou que ninguém faz isso, mudou também minha forma de encarar qualquer atleta logo depois que ele termina a prova, tem que deixar o cara respirar, deixar a menina pensar no que ela fez. Você pode ouvir talvez um desabafo rápido, uma apreciação rápida, mas realmente uma avaliação você tem que dar um tempinho.